domingo, 6 de setembro de 2009

LUCIO NO CORREIO BRAZILIENSE COM A EXPOSIÇÃO MATANDO AULA II - O RETORNO???

O mundo de Lucio
24/11/2008
O Correio Braziliense de domingo, 23/11, informa: Menino com síndrome de Down mergulha no domínio das cores e das formas e se revela, aos 13 anos um artista. Vive cercado de telas e pinta de manhã e à tarde
MARCELO ABREU Da equipe do Correio

É um encontro desses para não esquecer. Desses que se tatuam na alma. Lá está ele, com gel no cabelo, botafoguense roxo, sentado no chão, de pernas cruzadas. Na porta do ateliê, no subsolo daquela quadra comercial, ele folheia uma revista de rap. O mundo é só dele. E se encanta ao ler uma reportagem com seu maior ídolo, o rapper Marcelo D2. Dentro do ateliê, tintas, pincéis, caos, quadros. Muitos quadros. Em seguida, ele entra ofegante. E mostra a revista com as reportagens. Cantarola um pedaço do rap. E dança. O menino é puro talento. Aqueles quadros no estúdio foram pintados por ele. São mais de 60. De todos os tamanhos. Tudo isso vai virar uma grande exposição. Ele pinta todo dia. De manhã, à tarde e, se deixar, quer trabalhar também à noite. Usa uma técnica que mistura vinil, acrílico, carvão e pastel. Pinta como se respirasse, para se sentir cada vez mais vivo. Tem produzido coisas absolutamente geniais. Passeia pelo abstrato. Usa cores fortes, profundas. Ao olhar uma de suas obras nunca se consegue ver apenas uma vez. É preciso ver, ver de novo, até se entorpecer de emoção estética. Aos 13 anos, o menino virou pintor de verdade. Ah, faltou dizer um detalhe do artista: ele tem Down. Isso, verdadeiramente, é apenas um detalhe. Essa é a história de Lucio Piantino Bianchetti. Uma história de conquista, renascimento e superação. E por trás dessa história, uma outra. A da mulher que decidiu que aquele menino não seria diferente. Gritou, berrou, chorou, mudou, recomeçou. Encarou o preconceito de um mundo cruel e uma gente despreparada. Conseguiu. Comovida, ela rabisca um pedaço de livro, o segundo. Nele, escreveu, no comecinho de tudo: "A mãe chorou muito. Não sabia muito bem o que era aquilo. Só achava que não era bom... As crianças que nascem assim têm dificuldades para andar, falar e aprender. A mãe concluiu que tudo seria muito lento na vida dele". E a mulher prosseguiu: "A mãe voltou para casa com muitas dúvidas e apenas uma certeza: se houvesse alguma coisa para ser feita, ela faria. E fez. O menino cresceu cercado de amor, carinho e muita estímulo. Andou, falou, aprendeu. Aos 4 anos, já sabia ler 35 palavras. Fez teatro, capoeira, hip hop, violão, artesanato, aprendeu a língua dos sinais (libras) e pintou, pintou muito. Aquele menino molinho que não ia ser nada na vida, aos 13 anos, encanta a todos com sua arte". São pedaços de vida escritos pela mãe do artista, a também artista plástica Lurdinha Danezy, de 49 anos.

No ateliê, eis a prova de toda essa história. Nas telas de Lucio, o retrato da persistência. E ele se encanta com suas obras. Mostra uma a uma. Diz o nome delas (ele mesmo as batiza) e explica por que pinta: "Porque me sinto bem". E ri, como menino feliz. A emoção mareja os verdes olhos da mãe: "Ele é a criatura mais feliz do mundo. Acorda sempre de bom humor, sorrindo. Acho que posso morrer despreocupada. Meu filho tá pronto pra vida". Romper barreiras Longe daquele ateliê, o premiado artista plástico Omar Franco, 52, fala sobre as obras do menino: "Lucio não economiza telas, tintas e espaço. Ele se apropria de grandes áreas, com gestos largos. O movimento do seu corpo dá o compasso e seu braço trabalha como um raio preciso, que corta a tela com pinceladas generosas, sem arrependimento. Seu mundo é abstrato, dinâmico e vibrante". E continua: "Ele tem uma intimidade ancestral com a linguagem visual, que dá a ele uma dimensão maior da vida. A arte foi feita para que possamos ousar e romper fronteiras. Lucio sabe disso". Lucio é o terceiro e último filho de Lurdinha e do artista plástico Lourenço de Bem. Neto, por parte de pai, do consagrado pintor Glênio Bianchetti, 80 anos de vida e 60 de sólida carreira. Aos 36 anos, a mãe decidiu que ligaria as trompas. De parto normal, nasceu o menino, no Hospital Universitário de Brasília (HUB). A ligadura, feita pelo umbigo, aconteceria logo em seguida. Mas ela estranhou a demora. Os médicos nada lhe explicaram. Uma auxiliar de enfermagem, sem preparo, lhe disse: "Deve ser porque seu filho tem síndrome de Down". Foi assim que Lurdinha soube que seu caçula era especial. Refeita do susto e do choro, ela decidiu que seu bebê teria uma vida normal. Procurou especialistas. Ouviu o que era bom. "O que era ruim, eu apaguei. Até mesmo o que médicos diziam", ela conta. Com 1 ano e meio, Lucio estava matriculado no ensino regular. "O preconceito sempre existiu. Em alguns lugares, havia mais. Noutros, menos. Mas íamos em frente", continua. Lurdinha encontrou outros mães com as mesmas dores. Juntaram-se. E fundaram a Associação Mães em Movimento (Amem). Lá, crianças com as mais diferentes necessidades especiais têm aulas de pintura, capoeira e artesanato. Foi ali, naquele ateliê no subsolo da 408 Norte, quadra onde mora, que Lucio teve a certeza de que era um pintor. Aos 11 meses, pegou pela primeira vez num pincel. Aos 5 anos, pintou o primeiro quadro. Aos 13, descobriu-se artista. O menino chegou à 5ª série, numa escola pública da Asa Norte. "Notei que, desde o segundo semestre, ele começou a voltar mal-humorado pra casa. Senti que alguma coisa estava errada. Fui à escola, conversei com as professoras e percebi que meu filho não era bem compreendido ali. Havia, sim, rejeição. Aliás, os professores hoje, muitos deles, não têm capacidade nem estão preparados para perceber o potencial de seus alunos, ainda mais se é especial", constata Lurdinha. Um belo dia, o próprio Lucio chamou a mãe e pediu "uma reunião de família". Disse que não queria mais ir àquela escola. Assim se fez. Fora da sala de aula Em agosto, parou de estudar. E começou a pintar como nunca. No fim de setembro, veio a primeira exposição, intitulada Matando aula, no espaço da Codevasf. Agora, no Jardim Botânico Shopping, em frente à Esaf, virá a segunda: Matando aula II, ? O retorno? Lucio está radiante. Pinta ao som de rap. A mãe, em meio às atividades da associação, cuidados com os outros dois filhos, a casa e os detalhes da exposição, procura outra escola pública para Lucio, ano que vem. É uma luta sem fim há 13 anos. E ele, o artista genial? Mostra suas obras. Fala de Marcelo D2, da sua pintura. "Se eu sou artista? Acho que sou, né?", ele responde. Ansioso, espera pelo dia da abertura da sua exposição. Os olhos acesos vibram. No primeiro livro, Cadê a síndrome de Down que estava aqui? O gato comeu (3ª edição), Lurdinha fez uma declaração de amor ao filho: "No princípio, o verbo era aceitar, amar, estimular, mediar, ensejar, confiar, lutar e por aí vai...Acabei por constatar que me preparei para conjugar esses e outros verbos que, devidamente empregados, culminaram nos adjetivos normal, esperto, inteligente, capaz, feliz e por aí vai..." Lucio desafiou terríveis prognósticos. A sentença da incapacidade. A indiferença e o preconceito de um mundo cruel que ainda não se preparou para recebê-lo. Ainda assim resistiu. Renasceu. Virou pintor, desses surpreendentes, que fazem coisas tão espetaculares que nos obrigam a olhar mais de uma vez para suas obras. E depois, com os olhos impregnados de emoção, pedir autógrafo. Vale a pena Exposição Matando aula II,? O retorno?, de Lucio Piantino Bianchetti — Local: Jardim Botânico Shopping. Abertura dia 26, quarta-feira, às 19h30. Até 14 de dezembro.

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