domingo, 19 de março de 2017

Sobre síndrome de Down, hipotonia, músculos, marcha, fala e cognição




A capa da revista Pais&Filhos deste mês traz um lindo bebê com síndrome de Down com a língua para fora. A escolha desta foto abriu espaço para uma velha discussão. O que é e o que não é verdade sobre os estereótipos amplamente divulgados a respeito desta parcela da população?

 A “língua grande” ainda é descrita em muitos livros científicos como sendo parte das características intrínsecas das pessoas com trissomia do cromossomo 21. É fato, a grande maioria dessas crianças nasce com essa característica, o que não significa que tenha que viver a vida toda com ela.

A síndrome de Down vem, muitas vezes, associada a outras características (mas não necessariamente) como as descritas na matéria “nariz menor e achatado, cabeça chata na parte de trás, cabelos mais lisos e finos, dedos curtos e olhos amendoados”. Estes são sinais que não têm consequências para o  desenvolvimento do bebê. O que estamos propondo aqui é um olhar mais apurado e responsável para as características que levam, sem a intervenção adequada, a um efeito cascata

Se pensarmos que o nosso corpo é formado por músculos, temos cerca de 660 deles, e que eles são responsáveis pelo bom funcionamento das nossas habilidades motoras, de fala, do coração, do pulmão, do estômago, do intestino e por aí vai, podemos ter subsídios para pensar nas conseqüências que a hipotonia muscular pode causar no desenvolvimento eficaz dessas funções

A Hipotonia é a diminuição do tônus e força musculares   causando  moleza e  flacidez. A Hipotonia muscular congênita é uma condição listada no diretório de doenças sob o CID10 P94. É, no meu entender, a principal característica da trissomia do cromossomo 21 e para tanto precisa de intervenção . Já  a Síndrome de Down não é doença, é uma condição biológica , uma possibilidade de variabilidade genética humana, que geralmente vem associada a algumas doenças ou disfunções e a hipotonia é uma delas - possivelmente, a central. 

Os sintomas da hipotonia são comumente relacionados a algumas desordens neuromusculares que acarretam atraso geral no desenvolvimento motor e na fala, no bom funcionamento dos principais órgãos como coração, pulmão e intestino ,nos movimentos dos olhos, e, porque não, da língua que também é um músculo, aliás um dos principais músculos responsáveis pela fala.

Se a desordem hipotonia não for tratada com todo o rigor necessário ela pode gerar diversos problemas. É a hipotonia e não a Síndrome de Down responsável pelo atraso no desenvolvimento motor e de fala destes bebês. 

Uma das primeiras coisas que a gente ouve do médico, quando nossa criança nasce com síndrome de down, é que ele vai demorar a andar e a falar. Para tanto precisamos que nossos músculos estejam funcionando bem. No caso da marcha precisamos ter pernas, musculatura firme e equilíbrio, certo? No caso da fala, precisamos que nossa língua e os músculos que compõem a boca estejam também com o tônus ideal para exercer com eficácia sua função, precisamos estar com a audição funcionando bem e precisamos estar nos relacionando com as pessoas em casa, na rua, na escola. Antes disso, precisamos que nosso pescoço se volte para objetos que são o assunto da interação, que nossas mãos apontem e manipulem objetos, expressem quereres  e constatações, e nos engajem em interações, que nossos olhos façam contato significativo com outros.  A gente aprende a falar e a se desenvolver como ser humano na relação com o outro.

Quando se trata de desenvolvimento motor e da fala na síndrome de Down a responsabilidade deve ser atribuída ao funcionamento adequado da musculatura, das funções neurologicas e do bom funcionamento global do organismo e não ao cromossomo. Se é assim devemos agir para minimizar ao máximo a hipotonia e assim permitir que a criança possa se desenvolver dentro dos padrões de normalidade estabelecidos pela medicina e pela sociedade.


Quando, na capa de uma revista que se propõe orientar famílias, aparece uma característica que é resultado de uma desordem, a hipotonia, e ela vem associada à figura de um bebê com Síndrome de Down, estaremos, de certa forma, reforçando o estereótipo e considerando “normal” uma desordem que pode muito bem ser tratada e eliminada da vida dessa crianças possibilitando assim um melhor desenvolvimento motor, de fala e cognição.


Aquela criança da capa não está fazendo careta. Uma criança sem hipotonia faz e desfaz caretas voluntariamente. Uma criança com desordem hipotônica, sem a devida intervenção, fica com a língua de fora mesmo que assim não deseje. A língua pra fora daquela criança não é bonitinha ou fofa-- embora, obviamente, toda criança seja bonitinha e fofa! . Aquela língua bonitinha e fofa é uma desordem que se não tratada a tempo, ou seja, na primeira infância, prejudica sim o desenvolvimento físico, motor e cognitivo e social - afetivo dos adultos com síndrome de Down.

Este não é um texto científico, poderia ser se eu o tivesse escrito como especialista em saúde e desenvolvimento do bebê, que também sou. Mas escrevi como mãe do Lucio de 21 anos que tem síndrome de Down, mas não os problemas relacionados à hipotonia. Como mãe eu tratei de curá-lo da doença hipotonia e pude assim possibilitar a ele um melhor desenvolvimento global.


Lurdinha Danezy Piantino mãe do Lucio Piantino