A capa da revista
Pais&Filhos deste mês traz um lindo bebê com síndrome de Down com a
língua para fora. A escolha desta foto abriu espaço para uma velha discussão. O
que é e o que não é verdade sobre os estereótipos amplamente divulgados a
respeito desta parcela da população?
A “língua
grande” ainda é descrita em muitos livros científicos como sendo parte das
características intrínsecas das pessoas com trissomia do cromossomo 21. É fato,
a grande maioria dessas crianças nasce com essa característica, o que não
significa que tenha que viver a vida toda com ela.
A síndrome de Down vem, muitas vezes, associada a
outras características (mas não necessariamente) como as descritas na matéria
“nariz menor e achatado, cabeça chata na parte de trás, cabelos mais lisos e
finos, dedos curtos e olhos amendoados”. Estes são sinais que não têm consequências
para o desenvolvimento do bebê. O que
estamos propondo aqui é um olhar mais apurado e responsável para as
características que levam, sem a intervenção adequada, a um efeito cascata
Se pensarmos que o
nosso corpo é formado por músculos, temos cerca de 660 deles, e que eles são
responsáveis pelo bom funcionamento das nossas habilidades motoras, de fala, do
coração, do pulmão, do estômago, do intestino e por aí vai, podemos ter
subsídios para pensar nas conseqüências que a hipotonia muscular pode causar no
desenvolvimento eficaz dessas funções
A Hipotonia é a
diminuição do tônus e força musculares causando moleza
e flacidez. A Hipotonia muscular congênita é uma condição listada no
diretório de doenças sob o CID10 P94. É, no meu entender, a principal
característica da trissomia do cromossomo 21 e para tanto precisa de
intervenção . Já a Síndrome de Down não é doença, é uma condição
biológica , uma possibilidade de variabilidade genética humana, que geralmente
vem associada a algumas doenças ou disfunções e a hipotonia é uma delas -
possivelmente, a central.
Os sintomas
da hipotonia são comumente relacionados a algumas desordens neuromusculares que
acarretam atraso geral no desenvolvimento motor e na fala, no bom funcionamento
dos principais órgãos como coração, pulmão e intestino ,nos movimentos dos
olhos, e, porque não, da língua que também é um músculo, aliás um dos
principais músculos responsáveis pela fala.
Se a desordem hipotonia não
for tratada com todo o rigor necessário ela pode gerar diversos problemas. É a
hipotonia e não a Síndrome de Down responsável pelo atraso no desenvolvimento
motor e de fala destes bebês.
Uma das primeiras
coisas que a gente ouve do médico, quando nossa criança nasce com síndrome de
down, é que ele vai demorar a andar e a falar. Para tanto precisamos que
nossos músculos estejam funcionando bem. No caso da marcha precisamos ter
pernas, musculatura firme e equilíbrio, certo? No caso da fala, precisamos que
nossa língua e os músculos que compõem a boca estejam também com o tônus ideal
para exercer com eficácia sua função, precisamos estar com a audição
funcionando bem e precisamos estar nos relacionando com as pessoas em casa, na
rua, na escola. Antes disso, precisamos que nosso pescoço se volte para objetos
que são o assunto da interação, que nossas mãos apontem e manipulem objetos,
expressem quereres e constatações, e nos engajem em interações, que
nossos olhos façam contato significativo com outros. A gente aprende
a falar e a se desenvolver como ser humano na relação com o outro.
Quando se trata de
desenvolvimento motor e da fala na síndrome de Down a responsabilidade deve ser
atribuída ao funcionamento adequado da musculatura, das funções neurologicas e
do bom funcionamento global do organismo e não ao cromossomo. Se é assim
devemos agir para minimizar ao máximo a hipotonia e assim permitir que a
criança possa se desenvolver dentro dos padrões de normalidade estabelecidos
pela medicina e pela sociedade.
Quando, na capa de
uma revista que se propõe orientar famílias, aparece uma característica que é
resultado de uma desordem, a hipotonia, e ela vem associada à figura de um bebê
com Síndrome de Down, estaremos, de certa forma, reforçando o estereótipo e
considerando “normal” uma desordem que pode muito bem ser tratada e eliminada
da vida dessa crianças possibilitando assim um melhor desenvolvimento motor, de
fala e cognição.
Aquela criança da
capa não está fazendo careta. Uma criança sem hipotonia faz e desfaz caretas
voluntariamente. Uma criança com desordem hipotônica, sem a devida intervenção,
fica com a língua de fora mesmo que assim não deseje. A língua pra fora daquela
criança não é bonitinha ou fofa-- embora, obviamente, toda criança seja
bonitinha e fofa! . Aquela língua bonitinha e fofa é uma desordem que se
não tratada a tempo, ou seja, na primeira infância, prejudica sim o
desenvolvimento físico, motor e cognitivo e social - afetivo dos adultos com
síndrome de Down.
Este não é um
texto científico, poderia ser se eu o tivesse escrito como especialista em
saúde e desenvolvimento do bebê, que também sou. Mas escrevi como mãe do Lucio
de 21 anos que tem síndrome de Down, mas não os problemas relacionados à
hipotonia. Como mãe eu tratei de curá-lo da doença hipotonia e pude assim possibilitar
a ele um melhor desenvolvimento global.
Lurdinha Danezy
Piantino mãe do Lucio Piantino